quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Resgatando o poema "O Velho Mestre"


A Internet definitivamente virou minha "memória auxiliar". Hoje eu lembrei de um poema que eu declamei em homenagem aos professores em ... deve ter sido 1969 / 1970, do qual eu só conseguia lembrar uma frase "Curvou as nobres cãs, cerrou de leve os olhos.".

Fiquei surpresa, não lembrava que era tão longo este poema de René Barreto, de nome "O Velho Mestre". Será que eu sabia tudo direitinho de cor?? Disso eu já não lembro, mas acho que sim, lembro que em outra ocasião eu ganhei 300 unidades monetárias da época declamando "José" do meu amado Drummond....

Mas foi bom resgatar esta memória e transformá-la hoje, em homenagem aos mestres na sua cada vez mais difícil missão de educadores:

O VELHO MESTRE

Andava muito doente o velho professor.
Por isso ele já não tinha, agora,
O mesmo ardor que outrora o possuía,
E o animava dantes.

Às vezes, quando em aula,
- Havia mesmo instantes!
Em que inclinava a fronte,
Aquela fronte austera e cansada,
Onde já desabrochava a flor da primavera
E cochilava um pouco, involuntariamente.
O velho professor andava muito doente.

Mas, era tamanho o bem que nos queria
Que jamais quis pedir aposentadoria.
Era o primeiro a aparecer na escola
Com suas joviais maneiras tão simpáticas
Não obstante sentir umas dores reumáticas
Que o faziam sofrer muito, ultimamente.
O velho professor andava muito doente.

Um dia chegou mais tarde, alguns instantes.
Trazia, nas feições sérias de sofrimento,
A palidez do rosto.
Seus olhos encovados,
Denunciavam seus pesares ignorados
E, como que pra’ tornar a dor mais manifesta,
Cravara-lhe fundo uma ruga na testa,
Franzia-lhe a cara uma expressão de horror
Andava muito doente o velho professor.

A aula começou,
Mas pouco antes das onze,
O velho mestre, o bom trabalhador de bronze,
Que já perto de trinta anos, ou mais, havia
Que gigantesco herói, lutava, dia a dia
Para a glória da Pátria e para o bem da infância
Dando combate ao vício e à ignorância,
Sentindo uma dor nos agudos abrolhos
Curvou as nobres cãs, cerrou de leve os olhos.

Lá fora surgia o sol, a manhã era calma, risonha.
A natureza abria sua alma repleta de alegria,
E cheia de esplendores...
Pela janela entrava o hálito das flores,
Naquela atmosfera azul, lavada fina.
Ressoava baixinho, assim como em surdina,
Um canto celestial, harmonioso e suave,
Anjos tocando em suas harpas alguma canção de ave.

Nisso, ergue-se um aluno, um pândego, um peralta,
Fabricou de jornal um chapéu de copa alta
E... bem devagarinho,
(Que idéia travessa!)
Chegou-se junto ao professor e... zàs!
Enfiou-lhe o chapéu na cabeça.
O mestre nem abriu o sonolento olhar.

Ante aquele ato vil,
De traição!
De improviso,
Rebentou, uníssono, pela sala
Estardalhante riso.

De súbito, surgiu o diretor.
Demudou-lhe os gestos,
Estremeceu-lhe a fala, transtornado.
Transformando a mansidão de bois
Em fúria de leão,nos perguntou:
Quem foi?
Quem foi este vilão que fez tal brejeirice
Sem respeito algum às cãs desta velhice?

Ninguém respondeu,
Ninguém denunciou da brincadeira o autor.
Silencioso, sereno, como um dom
Dormia o velho professor.

O diretor, então,
Com doçura, chegou-se junto à mesa.
Via-se em seu rosto o incômodo, a surpresa,
De que o sono do mestre, assim se prolongasse.

Curvou-se meigamente e levantou-lhe a face....
Mas, tremendo, recuou.
Aterrorizado!
Aniquilado!
Mudo!
Absorto!
O velho professor...
Estava morto!

"Mestre não é quem sempre ensina, mas quem, de repente, aprende" Guimarães Rosa‏

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